Pontos Principais
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Usar o "senso incomum" exige dos líderes, antes de mais nada, um olhar para si e uma auto análise;
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Liderar com senso incomum requer resistir ao impulso de agir rapidamente;
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Desacelerar não é fácil ou natural, então pode ser útil aprender a diminuir o passo com o tempo;
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Dados valiosos podem ser extraídos das emoções e das identidades sociais;
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O senso incomum pode ser uma abordagem útil para todos, independentemente da função na empresa.
O livro Leading with Uncommon Sense (em tradução literal para o português seria, Liderando com o Senso Incomum), de Wiley Davi e Duncan Spelman, traz questões comuns sobre abordagens de liderança, que para muitos líderes soa familiar. Ele desafia o pensamento dominante do "bom senso" sobre liderança e fornece alternativas que exigem uma desaceleração, envolvimento com as emoções, atenção às identidades sociais e uma abordagem que abraça a complexidade.
Os leitores do InfoQ podem baixar um trecho do livro.
O InfoQ bateu um papo com Wiley Davi e Duncan Spelman sobre o tema liderança com senso incomum.
InfoQ: O que os motivou a escreverem este livro?
Wiley Davi e Duncan Spelman: Foram várias as coisas nos inspiraram a escrever este livro. Por muitos anos, ministramos um curso de MBA em liderança. Também oferecemos cursos de Educação Executiva sobre esse material nos Estados Unidos e também no exterior. Por fim, atuamos em posições de liderança, o que nos motivou a buscar abordagens mais eficazes para os desafios enfrentados nesta área. Em todas essas experiências, reconhecemos algumas lacunas em muitas abordagens tradicionais de desenvolvimento de liderança.
InfoQ: Para quem o livro foi escrito?
Davi e Spelman: O livro foca primeiramente nos indivíduos que estão em funções de liderança nas empresas, sejam altamente experientes ou novatos. Também se destina àqueles que anseiam por maneiras de lidar com os desafios de orientar, inspirar e apoiar os colegas e fazer a empresa avançar. Acreditamos que as ideias apresentadas são relevantes para os líderes de todas as empresas, seja do setor privado, ou de instituições sem fins lucrativos e até mesmo do governo. Grande, média e pequena. Velha ou nova. Formal e informal. Além disso, ao escrever o livro, ficamos sabendo que poderia ser útil em uma gama bem grande de ambientes além do trabalho, como por exemplo, em nossa vida pessoal, social e de outras organizações.
InfoQ: Como definiria a expressão "senso incomum"?
Davi e Spelman: A típica liderança de senso comum foca na ação de imediato, em ser forte e decidido, não se emocionar, manter as identidades sociais fora do problema além de projetar certezas em tudo o que faz. A liderança de senso incomum é uma mentalidade que questiona essas abordagens. Requer a capacidade de reconhecer as formas de pensar que muitas vezes estão fora da nossa consciência e, então, reformulá-las. Requer calma, um envolvimento direto com as emoções, uma atenção maior às identidades sociais além de abraçar a complexidade. Em particular, o senso incomum enfatiza os líderes a olhar para si mesmos e examinarem a si próprios, o que muitas vezes é negligenciado na liderança de senso comum.
InfoQ: Como é a liderança prática com o senso incomum?
Davi e Spelman: É uma prática de três etapas que inclui a desaceleração, a introspecção e a atuação. Exige que os líderes percorram continuamente as três etapas: desacelerar, refletir (introspecção) e agir. No centro da prática está a necessidade de diminuir o passo. Os líderes podem fazer isso no momento que reagirem a uma situação difícil ou de forma planejada e proativa para se preparar aos desafios e colher aprendizados. Ao fazer a introspecção, os líderes olham para si e examinam os próprios pensamentos ou sentimentos, investigando cuidadosamente o que acontece nos pensamentos. A introspecção permite que os líderes prestem atenção a quatro áreas: Reconhecer o que está fora da consciência, aprender com as emoções, rastrear o impacto das identidades sociais e aceitar a incerteza. Depois de investigar essas quatro áreas e reunir informações úteis, os líderes estão em melhor posição para agir. Por fim, ao fazer uma pausa e refletir, argumentamos que os líderes estão em melhor posição para agir. Além disso, sabemos que eles não podem se deixar paralisar pelas complexidades de um determinado momento e que devem ter a coragem de tomar decisões e agir mesmo diante dessa complexidade.
InfoQ: Como os líderes podem desacelerar para se tornarem conscientes do que estão pensando e sentindo?
Davi e Spelman: Há uma série de atividades que podem realizar para criar pausas, sejam elas pequenas ou grandes, planejadas ou não. Por exemplo, os líderes podem de maneira consciente tomar fôlego durante uma conversa desafiadora. Eles podem reservar um tempo para fazer um balanço do que foi falado, no final das reuniões. Também podem colocar pausas proativamente no calendário. Podem agendar sessões de debriefing após grandes projetos. E, se possível, podem tirar um ano sabático para dedicar um tempo significativo a si mesmos.
InfoQ: Como as emoções afetam a percepção e as decisões que tomamos?
Davi e Spelman: As emoções afetam e são afetadas por todos os aspectos da função cognitiva, incluindo as percepções e decisões. As emoções podem ser consideradas a primeira triagem de todas as informações que recebemos. Elas podem conter sabedoria desenvolvida ao longo do tempo sobre o que gostamos ou não e, o que é recompensador ou punitivo para nós. Sem emoções, não podemos escolher. Como humanos, temos um fluxo constante de emoções durante a vida. Dependendo do quanto prestamos atenção, elas podem tornar as percepções e decisões mais produtivas ou causar distorções significativas.
InfoQ: O que os líderes podem fazer para se tornarem melhores em reconhecer as emoções e gerenciar a energia emocional?
Davi e Spelman: É importante que os líderes aceitem que as emoções estão lá, que sempre estarão presentes, ao invés de seguir a noção comum de suprimi-las e mantê-las fora de situações de liderança. Além disso, pode ser eficaz envolver-se em técnicas de desaceleração, como meditação, para prestar atenção às emoções e explorar o que podem estar nos dizendo. Recomendamos que os líderes aproveitem os períodos de calma para prestar atenção aos sentimentos. Defendemos a criação de momentos de solidão e silêncio, a fim de se retirar conscientemente de estímulos externos. Exploramos outras técnicas, como mapear as emoções e identificá-las no corpo.
InfoQ: Por que devemos rejeitar a noção do senso comum de que é indelicado falar sobre coisas como raça, religião ou orientação sexual?
Davi e Spelman: As identidades sociais influenciam profundamente como nos encaixamos na sociedade, como vemos os outros e como nos vemos. É impossível não notar essas diferenças. Essas pessoas carregam estereótipos poderosos que nos foram ensinados e que podem afetar profundamente nossos comportamos, como percebemos os outros e como somos percebidos. No livro, discutimos a necessidade de ter atenção em como as identidades são ativadas, especialmente quando estamos enfrentando ameaças de estereótipo. Exploramos como nosso cérebro depende da fragmentação para processar informações, o que pode contribuir para estereótipos não percebidos. E os líderes seriam negligentes se não reconhecessem como as identidades sociais estão associadas ao poder social ou à falta dele.
InfoQ: O que podemos fazer para aumentar as capacidades de compreensão e engajamento ativo com diferentes identidades sociais?
Davi e Spelman: O importante é se envolver em atividades que se concentrem no foco interior e explorar as próprias identidades sociais e o impacto delas. Por exemplo, podemos criar um perfil de identidade social que faça uma análise das várias identidades sociais e como afetam nossas ações como líderes. Defendemos fazer o Teste de Associação Implícita para entender melhor como o preconceito inconsciente pode estar influenciando o pensamento. Em um nível muito básico, recomendamos ampliar a consciência por meio da leitura. Por exemplo, no momento, quase todos os livros da lista dos mais vendidos do New York Times são sobre racismo, após o assassinato de George Floyd.
InfoQ: As pessoas geralmente preferem a certeza ao invés das incertas. O livro menciona a incerteza como uma ideia incomum de liderança. Como os líderes podem se beneficiar da incerteza?
Davi e Spelman: Nossos cérebros inconscientes reivindicam mais certeza do que podem justificar. A pesquisa demonstra que somos excessivamente confiantes. Na verdade, o economista Daniel Kahneman eliminaria o viés da certeza antes de mais nada. É a percepção seletiva que contribui para essa certeza. Tiramos conclusões precipitadas, resistimos a evidências e muitas vezes não estamos dispostos a mudar de ideia. Os líderes deveriam evitar o perigo de simplificar demais e chegar a conclusões prematuras. Os cérebros nos impulsionam em direção à certeza à medida que procuram padrões no ambiente que orientam o comportamento. Esses padrões costumam ser artificiais e sugerem que o mundo é mais estável do que realmente é.
InfoQ: Como relatar publicamente os resultados do auto-questionamento nos ajuda a agir?
Davi e Spelman: A ação requer passar do intrapessoal para o interpessoal. Os relatórios nos levam da introspecção à ação. Ao compartilhar os resultados da introspecção, os líderes dão a chance de obter feedback e, assim, melhorar as noções de como proceder. O auto-relato ajuda os líderes a revelarem detalhes sobre as próprias percepções, memórias e atalhos de decisão que descobriram por meio de introspecção. Outro subproduto disso é que as equipes lideradas por líderes dispostos a relatar o que aprenderam com as introspecções funcionam com mais eficácia.
InfoQ: Como os checklists podem nos ajudar a tomar decisões melhores?
Davi e Spelman: As listas de verificação permitem que os líderes tomem consciência sobre a influência do funcionamento inconsciente, especialmente quando os líderes têm maneiras rotineiras de fazer as coisas ou caíram em hábitos específicos. Todas as memórias são defeituosas e os checklists fornecem um contrapeso para isso. Os checklists indicam que reconhecemos que nossos cérebros costumam estar sobrecarregados, que nossa memória costuma apresentar falhas e que a tomada de decisões pode não ser confiável.
InfoQ: Por que é tão importante dormir bem?
Davi e Spelman: Quando dormimos, damos tempo ao cérebro para se descarregar. Ele também elimina as toxinas que se desenvolvem durante as horas que ficamos acordados. O sono também ajuda a colocar nossas experiências em contexto. Além disso, dormir nos dá a chance de redefinir as emoções e diminuir aquelas que são dolorosas e estão ligadas a certas memórias traumáticas.
Sobre os autores do livro
Duncan Spelman é professor emérito do Departamento de Administração da Bentley University. Foca na pesquisa e ensino em diversidade, competência intercultural, liderança e mudança organizacional. Spelman escreveu um livro, vários artigos, casos, capítulos e resenhas de livros, e fez apresentações em muitas conferências nacionais e internacionais. Serviu como presidente do Departamento de Gestão, e também como diretor de diversidade da Bentley por muitos anos, e foi diretor fundador do Centro de Excelência em Ensino da Bentley. Spelman também é consultor organizacional especializado em diversidade e renovação organizacional. Foi consultor de uma ampla variedade de instituições, incluindo empresas, escolas e universidades, organizações sem fins lucrativos e agências governamentais. Possui um A.B. (Bacharel em Artes) em Sociologia (Assuntos Urbanos) de Princeton, um Ed.M. (Mestre em Educação) de Harvard, e um Ph.D. (Doutorado) em Comportamento Organizacional pela Case Western Reserve.
Wiley Davi é professor de Inglês e Estudos de Mídia na Bentley University. Wiley atua como facilitador de diversidade, equidade e inclusão no Centro para Mulheres e Negócios da Bentley e no Centro para Mulheres e Organizações Erasmus. Seus interesses de ensino e pesquisa abrangem as áreas da escrita, da diversidade, de estudos de gênero, da liderança e de serviço educacional. Eles publicaram artigos e fizeram apresentações em conferências internacionais sobre as intersecções de raça, gênero, liderança e ensino. O interesse de Wiley em metacognição e liderança o levou a co-projetar com o Dr. Spelman um curso intensivo de liderança no inovador programa de MBA da Bentley. Wiley é Ph.D. (Doutor) da Tufts University em Massachusetts.